Ao programa CB.Poder, o chefe do Executivo local falou sobre as ações adotadas na capital federal para conter o avanço do novo coronavírus, a previsão de flexibilização nas restrições ao setor produtivo para maio e a criação de programa de auxílio emergencial
Um dos primeiros a definir medidas de distanciamento social no país em virtude da Covid-19, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), classificou as ações que tomou no início de março como “corretas” e “no caminho certo”. Ontem, em entrevista ao programa CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — o chefe do Executivo falou sobre a curva de contaminação pelo novo coronavírus no Distrito Federal, o comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) e sobre as iniciativas previstas para lidar com a pandemia no DF.Continua depois da publicidade
Em atendimento à população que não será contemplada pelo auxílio emergencial concedido pelo governo federal, Ibaneis anunciou que criará programa semelhante e com mesmo valor de benefício, R$ 600 por pessoa. A proposta deve alcançar 28 mil cidadãos. “São pessoas, por exemplo, nas faixas de 60, 70 anos que não estão em nenhum programa, nem recebem BPC (Benefício de Prestação Continuada) nem é ambulante, mas precisa de algum auxílio. Estamos criando nosso auxílio no DF, para essas pessoas que não estiverem nos outros programas”, afirmou.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem dito que o DF preocupa por causa da concentração do número de casos. Como o senhor vê a projeção da pandemia nos próximos meses?
Brasília é uma cidade administrativa que hospeda todos os poderes da República. Governo federal, Congresso Nacional, todos os tribunais superiores. Temos aqui mais de 180 organismos internacionais, uma população que tem uma renda per capita muito alta concentrada aqui no Plano Piloto. E, ao redor de Brasília, há cidades e cidades, como é o caso do Sol Nascente e do Pôr do Sol, que têm população a céu aberto, uma das maiores comunidades a céu aberto da América Latina. Temos cenários bastante díspares que levam a isso que o ministro colocou nessa questão da mobilidade aqui dentro da cidade e da possibilidade de expansão do vírus. Por isso, adotamos as medidas que, naquele momento, eram necessárias e se estendem até este minuto, mas que têm feito com que a gente tenha controle, dentro de uma linha de estabilidade mostrada pelos nossos técnicos como sendo uma das melhores. Essa linha de Singapura é onde houve um controle maior. Dentro dessa linha, nosso objetivo é manter a curva do DF. Estamos mantendo e, inclusive, estamos um pouco abaixo. Pela projeção, deveríamos chegar, na data de amanhã (hoje), em torno de 550 casos. Estamos, hoje, só com 400.
Estamos abaixo dessa linha, o que mostra que as medidas adotadas, mesmo duras, estão corretas e indo no caminho certo. Assim, a população do DF se protege cada vez mais. Não existe possibilidade de se estancar esse vírus totalmente. O que estamos fazendo? Temos capacidade do atendimento da rede pública, que gira, hoje, entre públicos e privados, em torno de mil leitos de saúde para tratamento dessas pessoas (pacientes da Covid-19). Esses mil leitos da Covid-19 precisam ser preservados. Não podemos ter um pico muito grande, senão temos um colapso da rede de saúde e a população ficará desassistida. Por isso, a importância das medidas e, por isso, a importância de a população se conscientizar de que esse isolamento social, o evitar das aglomerações, é muito importante para a cidade.
O senhor conseguiu mapear para onde a doença está se encaminhando e o que ainda precisa ser feito para evitar que se alastre?
Aqui no Plano Piloto, realmente, o número é bem maior. Exatamente por conta desse desequilíbrio da balança social do DF. São pessoas que ou viajaram para o exterior ou tiveram contato com pessoas que viajaram. Por isso, a interrupção que fizemos de todo o comércio, todos os restaurantes, porque as pessoas do Plano Piloto estavam tendo contato com outras pessoas das cidades de rendas menores, que estavam voltando para casa infectadas. Por isso, temos alguns casos espalhados pela cidade. A interrupção foi necessária. Não chegamos ainda ao lockdown total, não há necessidade de fazer isso no DF. Quero deixar bem claro — não estou ameaçando ninguém, não sou pessoa de ameaças — que, se for necessário, para evitar e proteger a saúde coletiva do DF, podemos chegar, sim, ao lockdown. Mas isso não está dentro de nossas perspectivas. Não está nos planos, dada a curva que estamos obedecendo. Por enquanto, as medidas estão tendo resultado bastante positivo.
Como está o relacionamento com o presidente Jair Bolsonaro e como o senhor vê o comportamento dele nesta crise?
Meu relacionamento com ele sempre foi muito respeitoso. E sempre digo o seguinte: para duas pessoas brigarem, as duas têm de querer. Ele não vai conseguir brigar comigo de modo algum e estou consciente do meu papel como governador, de defender minha população, o povo do DF e ele, inclusive. Se tem alguém que trouxe o vírus para o DF com sua comitiva foi o presidente da República.
Agora, concordo com ele que boa parte do comércio e da indústria vai quebrar com essa crise. Mas isso é o que acontece em momentos. Na 2ª Guerra Mundial, ninguém se preocupou com comércio ou com o que ia acontecer com a economia naquele momento. Estamos em um momento de crise mundial. E, em um momento de crise mundial, principalmente nessa área da saúde, o que importa é a saúde das pessoas. Desde a década de 1980 — não sou tão velho assim, me considero até jovem —, já vimos o Brasil quebrar e se recuperar várias vezes. O que não se recuperam são vidas.
Fico triste com o comportamento do presidente incentivando essa guerra contra os governadores. É um incentivo desnecessário porque somos parceiros. Sou hospedeiro do governo federal e de toda essa gama de pessoas que estão aqui e que convivem em nossa cidade. Tenho obrigação de cuidar da saúde coletiva da população do DF, inclusive da do presidente da República. Nos entristece, mas ele não vai conseguir brigar comigo. Tenho consciência de que a política no DF depende do governo federal. Somos parceiros. E quero continuar com o presidente sendo parceiro de nossa cidade.
O que o senhor conseguiu garantir para o DF? A população pode ficar tranquila? Vai ter respirador para quem precisar?
Nesse ponto, tenho de fazer uma crítica ao Ministério da Saúde e ao governo federal. Eles não conseguiram antecipar em quase nada aquilo que é necessário para o combate à Covid-19 e para essas compras (de equipamentos). Estamos aqui, da nossa forma, equipando nossas UTIs (unidades de terapia intensiva). Há mais de 80 UTIs em montagem no Hospital de Santa Maria; fizemos cadastramento de outras que existem na rede privada; estamos cuidando da construção de nosso hospital. Mas o Ministério da Saúde ainda não fez nenhuma compra. Muito pelo contrário: bloquearam a compra de respiradores pela Secretaria de Saúde para que o BRB (Banco de Brasília), como uma instituição privada, faça a compra dos respiradores, com o dinheiro dessas doações.
O auxílio do Ministério da Saúde tem sido muito importante, mas, por enquanto, não passou do programa do projeto. É como os projetos do governo federal: eles ainda não chegaram à ponta. Hoje, entraram no caixa do DF as emendas dos deputados (federais) e dos senadores. (São) em torno de R$ 70 milhões que entraram para custeio. Com base nisso, estamos contratando profissionais, comprando insumos que ainda estão sendo vendidos. Mas, isso, com ajuda das emendas, não com recursos do Ministério da Saúde. Hoje (ontem), houve uma reunião, de que eu ainda não soube o resultado, entre nosso secretário de Saúde (Francisco Araújo Filho) e o ministro Mandetta. Espero que tenha sido produtiva, porque precisamos de auxílio nas mais diversas áreas.
O estoque que o governo tem hoje em material dá para segurar quanto tempo?
Ontem (quinta-feira), compramos mais 150 mil testes para a Covid-19. Queremos ampliar o número de testes até para que tenhamos precisão cada vez maior em nossos números. Estamos preparando uma compra de mais 150 (mil). Hoje, fazemos, entre a rede pública e a rede privada, em torno de mil e 1,2 mil testes diários, o que não é ruim. Estamos atendendo a todos aqueles que procuram, mas, como temos previsão de sair do pico dessa crise ali na segunda quinzena de maio, queremos ampliar a testagem no DF para ter mais segurança no momento de liberação das atividades de comércio. Nas outras áreas, temos também boa capacidade de atendimento, tanto de luvas quanto de máscaras, principalmente na rede hospitalar. Qual é a importância de se manter essa curva e de manter o isolamento? Se tivermos um acréscimo, um pico, muito alto nessa curva, vamos ter falta de material. Tudo isso está sendo testado, controlado, para manter a saúde do DF fora de um colapso.
O governo federal fez um programa de ajuda a empresas e de auxílio no valor de R$ 600 para os informais e outras categorias. O que o DF pode acrescentar nisso?
Colocamos à disposição, via BRB, uma linha de crédito no valor de R$ 1 bilhão para todo o setor. Temos assinado vários acordos com todos que têm nos procurado. Foram feitos (acordos) com o Sindhobar (Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília), a Fibra (Federação das Indústrias do DF), a Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Tivemos, hoje (ontem), uma reunião com o pessoal do sindicato das escolas particulares e das instituições de ensino superior. Temos grande preocupação com esse setor, porque emprega muita gente. E é um pessoal que faz um atendimento à população muito importante e, no momento em que sair da crise, vai precisar estar em atividade.
Temos outra gama de pessoas de grande importância: temos 28 mil pessoas nos cadastros do DF que não serão atingidos por nenhum dos programas, nem do governo federal nem dos que existem. Para esse grupo, estamos criando um programa nosso com os mesmos R$ 600. São pessoas, por exemplo, nas faixas de 60, 70 anos que não estão em nenhum programa, nem recebem BPC (Benefício de Prestação Continuada), nem é ambulante, mas precisa de algum auxílio. Estamos criando nosso auxílio no DF, para essas pessoas que não estiverem nos outros programas. De outra ponta, estamos tendo desabastecimento para idosos nos asilos e em vários outros locais.
Dentro do nosso sistema de atendimento às pessoas carentes, tínhamos pedidos de 8 mil cestas básicas por mês. Agora, estamos tendo 1,2 mil por dia. Hoje (ontem), sai uma licitação emergencial. Estamos comprando 100 mil cestas básicas para, neste período da crise, distribuirmos pelo menos 30 mil para a população carente. Aliado a isso, estamos fazendo a compra de alimentos, já que a venda de alimentos dos pequenos, micro e médio agricultores da agricultura familiar reduziu muito. Vamos distribuir, junto com a cesta seca, a cesta verde também. Fazemos isso por meio das compras feitas na Ceasa (Central de Abastecimento) para todos os asilos. Estamos com um olhar focado em todas as áreas. Todas as nossas equipes e secretarias estão trabalhando para diminuirmos os impactos, porque sabemos que eles existem e temos de ter consciência da ajuda que o governo tem de dar neste momento.